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segunda-feira, novembro 11, 2024

Dados revelam que 9 em cada 10 bolsonarista não foram punidos por atos golpistas em Brasília

Maior parte dos casos foi arquivada ou não teve resolução; decisões beneficiaram Damares, Salles e outros

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COM RAFAEL OLIVEIRA E AGÊNCIA PÚBLICA – Em 2019, durante a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP25), o então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Augusto Heleno enviou agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) a Madri com o objetivo de “monitorar maus brasileiros” durante a conferência. O caso foi levado à Comissão de Ética Pública (CEP), órgão que, ligado à Presidência da República, tem a prerrogativa de impor sanções éticas ao “alto escalão” do governo federal. Em janeiro de 2022, porém, o colegiado decidiu arquivar a representação ainda na fase de admissibilidade, sem sequer instaurar o procedimento — conhecido como processo de apuração ética (PAE) — que poderia avaliar mais profundamente a conduta do ministro.

Segundo apuração da Agência Pública, entre 2021 e 2022 a maior parte das representações analisadas contra ministros e outros nomes do primeiro escalão com relação próxima ao ex-presidente teve o mesmo desfecho: arquivamento sumário. De acordo com o levantamento, com base nas atas das reuniões do colegiado no período, a Comissão de Ética arquivou 36 dos 55 casos analisados no período, quase todos na fase de admissibilidade. Paulo Guedes, Damares Alves e Eduardo Pazuello estão entre os poupados pela comissão, que só puniu administrativamente quatro pessoas em sete ocasiões. Em outros 12 casos houve instauração do processo de apuração ética, mas não houve decisão final. 

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Além de apurar possíveis violações das normas de ética e conduta no alto escalão federal, a comissão avalia casos de conflito de interesse, impõe quarentenas para ministros ou servidores que deixam o governo e serve de órgão consultivo da Presidência em questões de ética. Nos casos de violação às normas, o colegiado só tem poder para aplicar sanções administrativas, como a “censura ética” — que na prática funciona mais como um registro da infração — e para recomendar exonerações, que não precisam ser cumpridas pelo governo. No período, a comissão não recomendou que membros do governo Bolsonaro fossem exonerados

Em 2019, segundo o UOL, a comissão aplicou apenas uma punição. No ano seguinte, um dos conselheiros afirmou ao repórter Rubens Valente que o órgão não cumpria seu papel no governo Bolsonaro.

Ministros-chave de Bolsonaro foram poupados

O caso dos agentes da Abin na COP25 não foi o único em que Augusto Heleno contou com a boa vontade dos conselheiros da Comissão de Ética.

Em setembro do ano passado, o colegiado arquivou sumariamente representação movida contra Heleno e contra o ex-diretor-geral da Abin Alexandre Ramagem, hoje deputado federal pelo PL-RJ. Segundo a descrição que consta na ata da reunião, o caso refere-se à “suposta produção de relatórios de inteligência para atender interesses particulares”. O processo é relacionado a caso publicado em dezembro de 2020 pelo O Globo, que revelou que a Abin teria feito relatórios orientando o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e sua defesa sobre caminhos para anular o caso das rachadinhas. A despeito da defesa de Flávio ter confirmado a autenticidade dos documentos, Heleno negou que os relatórios tenham sido produzidos pela Abin.

O ex-ministro da Economia Paulo Guedes também foi poupado pela Comissão de Ética. Seis representações movidas contra ele entre 2021 e 2022 foram arquivadas ainda na fase de admissibilidade. Em apenas uma, ligada a episódios em que Guedes chamou os servidores públicos de “parasitas” e “militantes políticos”, houve uma recomendação de que o então ministro tivesse mais “cautela” com o linguajar, mas mesmo nesse caso não houve sequer abertura de processo de apuração ética. Os demais casos envolviam conflito de interesse, “supostos esclarecimentos indevidos” em audiência na Câmara dos Deputados e “manifestações indevidas” em atos públicos e em reunião ministerial.

A reunião ministerial de abril de 2020, que seria a prova, segundo o ex-ministro Sergio Moro, de que Bolsonaro estaria intervindo na Polícia Federal para proteger familiares, também rendeu uma representação na Comissão de Ética contra o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles. Na ocasião, o agora deputado federal pelo PL-SP proferiu a famosa fala sobre aproveitar o momento pandêmico para “passar a boiada” e enfraquecer as regras ambientais do país. O caso foi igualmente arquivado pelo colegiado na fase de admissibilidade.

Lista de poupados pela Comissão de Ética inclui 13 ministros de Bolsonaro | Imagem: Agência Pública / Reprodução

Salles teve ainda outras cinco representações analisadas pela Comissão de Ética entre 2021 e 2022. Em uma delas, também houve arquivamento sumário; nas outras quatro, o colegiado instaurou procedimento de apuração, mas não houve decisão final até o momento. As representações envolvem uso de redes sociais para “divulgação de informações falsas e ofensas a terceiros” e participação indevida em evento político, entre outras possíveis infrações éticas.

Outro nome do governo Bolsonaro, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello (agora deputado federal pelo PL-RJ) também teve representações arquivadas pelo colegiado em três ocasiões. Um arquivamento ocorreu já após instauração de processo de apuração ética — por “suposta violação ao dever de publicidade” — e dois ocorreram ainda na fase de admissibilidade — por “supostas irregularidades relacionadas à aquisição de medicamentos” e por “supostas condutas irregulares no Ministério de Saúde”. No caso dessa última, a representação incluía também a ex-secretária de Gestão do Trabalho e da Educação da Saúde Mayra Pinheiro, conhecida como “capitã cloroquina”.

A ex-ministra da Mulher, Família e dos Direitos Humanos Damares Alves (hoje senadora pelo PL-DF) foi igualmente beneficiada pelo arquivamento sumário de uma representação contra ela na Comissão de Ética, em abril de 2022. O colegiado entendeu não haver indícios suficientes de materialidade em caso relacionado ao vazamento de dados de uma menina de 10 anos, estuprada e engravidada pelo tio. Na ocasião, Damares agiu para impedir que a criança realizasse um aborto legal.

Apesar dos episódios polêmicos, Pazuello e Damares foram poupados pela Comissão de Ética e se elegeram parlamentares em 2022 | Imagem: Agência Pública / Reprodução

A lista de membros do primeiro escalão do governo Bolsonaro poupados pela Comissão de Ética inclui também os ex-ministros Sergio Moro (hoje senador pelo União Brasil-PR), Joaquim Leite, Onyx Lorenzoni, Marcos Pontes (hoje senador pelo PL-SP), Marcelo Álvaro Antônio (reeleito deputado federal pelo PL-MG), Rogério Marinho (hoje senador pelo PL-RN), Fábio Faria e André Mendonça (atualmente ministro do Supremo Tribunal Federal [STF]). O colegiado arquivou também representações contra o ex-secretário especial de Assuntos Fundiários Nabhan Garcia; o ex-secretário de Desestatização Salim Mattar; a ex-secretária especial de Cultura Regina Duarte; e o ex-comandante do Exército Edson Pujol.

Entre os bolsonaristas com processos de apuração ética abertos e não finalizados estão o ex-secretário especial de Cultura Mário Frias (hoje deputado federal pelo PL-SP), por manifestações indevidas em redes sociais; o ex-presidente da Caixa Pedro Guimarães, acusado de assédio moral e sexual; e o ex-assessor chefe da Assessoria Especial de Assuntos Internacionais da Presidência Filipe Martins, que fez um gesto racista durante sessão do Senado. Nenhum deles foi punido até o momento.

Apenas quatro foram punidos pela comissão na segunda metade do governo Bolsonaro

O ex-ministro da Educação Abraham Weintraub foi quem mais vezes enfrentou representações na Comissão de Ética no período analisado — e é um dos poucos que foram punidos com a aplicação de “censura ética”. Conhecido pelos recorrentes ataques às universidades federais, Weintraub enfrentou nove representações entre 2021 e 2022, sendo punido em quatro ocasiões: por suas declarações na reunião ministerial de abril de 2020; por críticas ao presidente da França, Emmanuel Macron; por críticas aos funcionários do PT que venceram um bolão da Mega Sena; e por “manifestações grosseiras a usuários de redes sociais”. 

Em outros dois casos, a Comissão de Ética arquivou sumariamente as representações contra o ex-ministro da Educação, e há ainda três processos de apuração ética abertos, mas sem desfecho; um deles refere-se às afirmações de que as universidades federais “possuem plantações e são laboratórios de drogas”.

A lista de membros do primeiro escalão do governo Bolsonaro poupados pela Comissão de Ética inclui também os ex-ministros Sergio Moro (hoje senador pelo União Brasil-PR), Joaquim Leite, Onyx Lorenzoni, Marcos Pontes (hoje senador pelo PL-SP), Marcelo Álvaro Antônio (reeleito deputado federal pelo PL-MG), Rogério Marinho (hoje senador pelo PL-RN), Fábio Faria e André Mendonça (atualmente ministro do Supremo Tribunal Federal [STF]). O colegiado arquivou também representações contra o ex-secretário especial de Assuntos Fundiários Nabhan Garcia; o ex-secretário de Desestatização Salim Mattar; a ex-secretária especial de Cultura Regina Duarte; e o ex-comandante do Exército Edson Pujol.

Entre os bolsonaristas com processos de apuração ética abertos e não finalizados estão o ex-secretário especial de Cultura Mário Frias (hoje deputado federal pelo PL-SP), por manifestações indevidas em redes sociais; o ex-presidente da Caixa Pedro Guimarães, acusado de assédio moral e sexual; e o ex-assessor chefe da Assessoria Especial de Assuntos Internacionais da Presidência Filipe Martins, que fez um gesto racista durante sessão do Senado. Nenhum deles foi punido até o momento.

Apenas quatro foram punidos pela comissão na segunda metade do governo Bolsonaro

O ex-ministro da Educação Abraham Weintraub foi quem mais vezes enfrentou representações na Comissão de Ética no período analisado — e é um dos poucos que foram punidos com a aplicação de “censura ética”. Conhecido pelos recorrentes ataques às universidades federais, Weintraub enfrentou nove representações entre 2021 e 2022, sendo punido em quatro ocasiões: por suas declarações na reunião ministerial de abril de 2020; por críticas ao presidente da França, Emmanuel Macron; por críticas aos funcionários do PT que venceram um bolão da Mega Sena; e por “manifestações grosseiras a usuários de redes sociais”. 

Em outros dois casos, a Comissão de Ética arquivou sumariamente as representações contra o ex-ministro da Educação, e há ainda três processos de apuração ética abertos, mas sem desfecho; um deles refere-se às afirmações de que as universidades federais “possuem plantações e são laboratórios de drogas”.

Na reunião ministerial de abril de 2020, o agora desafeto de Bolsonaro fez menção aos vários processos contra ele na Comissão de Ética| Imagem: Agência Pública / Reprodução

Seu irmão, Arthur Weintraub, também foi alvo de duas representações na Comissão de Ética por conta da conduta nas redes sociais, mas não foi punido em nenhuma delas. Um processo foi arquivado com recomendação de “cautela” e o outro está em apuração. Rompidos com Bolsonaro, os dois Weintraub tentaram se eleger deputados federais pelo PMB em São Paulo, mas não tiveram sucesso. 

Além de Abraham Weintraub, apenas outros três nomes do núcleo duro do bolsonarismo foram punidos pela comissão entre 2021 e 2022. Roberto Alvim, ex-secretário especial de Cultura, foi punido com a censura ética por conta do célebre episódio em que gravou vídeo repleto de referências a Joseph Goebbels, ministro da Propaganda da Alemanha nazista. 

Sérgio Camargo, ex-presidente da Fundação Palmares, recebeu a sanção ética pela “prática de assédio moral, discriminação às religiões e lideranças religiosas de matriz africanas e manifestações indevidas no Twitter”. Não há mais detalhes sobre os episódios nas atas disponibilizadas pelo colegiado.

Já Fábio Wajngarten, que foi secretário-executivo do Ministério das Comunicações e ex-secretário especial de Comunicação Social no governo Bolsonaro, recebeu a censura ética por sua esposa ter participado “como colaboradora em reunião custeada por órgão público”.

O caso está relacionado a viagem feita por Sophie Wajngarten entre 31 de outubro e 1 de novembro de 2019, que teve pagamento de passagens aéreas e de diária custeadas pela Secom, em um total de R$ 3,3 mil. Segundo justificativa apresentada pelo órgão, ela iria participar de reuniões da Secom e do Conselho do Programa de Incentivo ao Voluntariado (Pátria Voluntária), ligado à Michelle Bolsonaro. De acordo com reportagem de O Globo, Sophie ainda não havia sido nomeada para o Conselho na época e a Casa Civil informou não ter havido a realização de reuniões do Conselho na data. A viagem ocorreu na mesma época do aniversário do então secretário especial.

À Pública, Wajngarten classificou a decisão da Comissão de Ética como “injusta” e “política” e atribuiu a punição ao fato de que ele já havia saído do governo na época e questionava o “comportamento de certas pessoas”, que preferiu não apontar. O ex-secretário afirmou que a esposa foi a Brasília para participar de evento sobre o combate ao câncer de mama junto com a então primeira-dama, além de participado de “reuniões para pautar campanhas publicitárias a convite do órgão” e de outras agendas, e que ele teria pagado “dez passagens” se fosse só para ela fazer uma visita em seu aniversário. 

O próprio Wajngarten escapou de outras três representações abertas contra ele, todas arquivadas por “insuficiência de indícios” ainda na fase inicial. Duas delas se referiam a manifestações indevidas em redes sociais e uma era por conta de suposto conflito de interesses.

No governo Lula, comissão ainda têm maioria indicada por Bolsonaro

Apesar de “desbolsonarização” da Comissão de Ética, colegiado segue tendo quatro indicados pelo ex-presidente | Imagem: Agência Pública / Reprodução

Criada em 1999 por Fernando Henrique Cardoso, a Comissão de Ética da Presidência é formada por sete integrantes, que não recebem remuneração e são indicados pelo presidente para um mandato de três anos, que pode ser renovado uma vez. Os requisitos para ocupar a função são “idoneidade moral, reputação ilibada e notória experiência em administração pública”. A Comissão já foi composta por nomes como Sepúlveda Pertence e Carmen Lúcia, ex-ministro e atual ministra do STF.

No período analisado pela reportagem, a maior parte do colegiado havia sido indicada pelo próprio Jair Bolsonaro (PL), inclusive com a participação de um ex-ministro e de um ex-assessor. Após o Estadão revelar que a CEP havia beneficiado ex-ministros bolsonaristas com quarentena remunerada mesmo sem apresentação de proposta de emprego, ao mesmo tempo em que liberou outros a trabalharem em empresas que mantêm relação com as pastas que chefiavam, Lula (PT) substituiu os três nomes mais próximos do núcleo duro do bolsonarismo. Os dispensados foram Célio Faria Júnior, que foi ministro da Secretaria de Governo e chefe de Gabinete de Bolsonaro; Fábio Prieto de Souza, desembargador aposentado que atualmente comanda a Secretaria Estadual de Justiça e Cidadania de Tarcísio Gomes (Republicanos) em São Paulo; e João Henrique Nascimento de Freitas, que foi advogado de Flávio Bolsonaro, assessor especial da Presidência e presidente da Comissão de Anistia  durante o último governo. Após a decisão de Lula, Freitas entrou com ação no STF questionando a sua destituição. A liminar foi negada.

A despeito das mudanças, a Comissão segue tendo maioria de indicados por Jair Bolsonaro. Edson Leonardo Dalescio Sá Teles, que preside o colegiado, foi secretário de Controle Interno da Presidência e se manteve no cargo no governo Lula; Antonio Carlos Vasconcellos Nóbrega é servidor de carreira da Controladoria-Geral da União (CGU), além de professor de direito na Universidade Santanna (SP); Francisco Bruno Neto também é professor de direito, no Ibmec (DF) e na Escola Superior de Advocacia (RJ), além de advogado; e Edvaldo Nilo de Almeida é procurador do Distrito Federal. Na última eleição, Almeida doou mais de R$ 1 milhão para quase 20 candidatos de diferentes orientações ideológicas, incluindo políticos do PT e o deputado federal reeleito Hélio Lopes (PL-RJ), fiel escudeiro de Bolsonaro.

Os dois secretários-executivos do órgão entre 2021 e 2022 deixaram a comissão e hoje têm postos no governo Lula. Ocupante do cargo responsável por prestar apoio técnico aos conselheiros e por instruir os processos da Comissão de Ética em 2021, Wellington Gontijo do Amaral Júnior é chefe da Assessoria Especial de Controle Interno do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, comandado pelo petista Wellington Dias. 

Já Ricardo Wagner de Araújo, secretário-executivo em 2022, foi nomeado corregedor-geral da União, um dos principais cargos da Controladoria-Geral da União (CGU). Na nova função, Araújo é responsável por “atuar no combate à impunidade na Administração Pública Federal, promovendo, coordenando e acompanhando a execução de ações disciplinares que visem à apuração de responsabilidade administrativa de servidores públicos”.

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